sábado, 18 de outubro de 2008

Amadeo - Dia 47


"... Com Souza Cardoso passou a haver uma participação de expressão portuguesa nesse grande concurso de invenção plástica que foi o nosso cubismo. Participação resoluta, violenta, destacando-se em cores estridentes e formas enérgicas e que, dentro das variedades do cubismo, se pode classificar como cubismo órfico. Esta tendência lírica e dinâmica de Souza Cardoso virá a acentuar-se e, não é de espantar, que se encontrem na sua obra círculos cromáticos muito próximos dos de Robert Delaunay, tanto mais que os dois artistas, que tinham feito amizade em Paris, se vieram a encontrar em Portugal, por altura da permanência deste último no país, em 1915. Não causa também grande admiração que Amadeo se veja, nos últimos anos da sua carreira, adoptado pelos futuristas portugueses. Acrescentemos que, no catálogo das últimas exposições por ele levadas a efeito em Portugal, Amadeo se declarava "abstraccionista", termo novo na altura. Carreira breve, terminada ao trinte e um anos, mas fulgurante, rica de todas as inquietudes mais veementes da época, completamente lançada na previsão do próximo excesso. Vibrante de impaciência e exuberância, traduz a própria juventude, numa época extraordinária, que foi uma época de juventude. Conservou-se nesse estádio, não chegou a ver a forma como as revoluções espirituais triunfam, se desenvolvem, se transformam ou se acalmam. Souza Cardoso e a sua obra vivem para o futuro, no reino estrito da revolta e da esperança, na idade da juventude.
Uma tela de Souza Cardoso, intitulada Cavaliers, de colorido e movimento irresistivelmente sedutor, e que se crê poder datar de 1913, acaba de ser incorporada nas colecções do Museu Nacional de Arte Moderna. A França devia essa prova de gratidão ao jovem criador que, com o seu contributo, glorificou a Ecole de Paris, nela introduzindo a graça do génio português, mas que nela brilhou tão fugazmente que teria caído na obscuridade, não fora o dia em que a sua pátria de origem, à qual se juntou a pátria temporariamente de adopção e com a qual veio a partilhar a sua aventura espiritual, se decidiu a reavivar uma memória tão admirável, colocando-a no lugar de destaque a que tinha direito.


Paris, 1959"

Jean Cassou

Sem comentários: