sábado, 4 de julho de 2020

Arte de Ser Português - Teixeira de Pascoaes

Dois excertos da apresentação de Miguel Esteves Cardoso ao livro de Teixeira de Pascoaes, "Arte de Ser Português", Biblioteca de Editores Independentes, 2007.

"Quando Pascoaes inventou Portugal não se deu conta do que tinha feito: pensou que se tinha limitado a descobri-lo. Quando imaginou os Portugueses, entregando-lhes as palavras e as visões que só a ele pertenciam,enganou-se. Os Portugueses de Pascoaes nem sequer existiam. Pascoaes nunca percebeu que era tudo invenção dele. Escreveu um livro,a Arte de Ser Português, recusando a responsabilidade da criação, na ânsia de ser apenas um espectador.
Pascoaes não queria ser mais um poeta. Queria servir, servir e pertencer. Não queria ficar de fora nem sozinho. Queria escrever, mas escrever como quem presta um serviço: um serviço de observar, de ouvir, de escrever. Não queria ser mais um escritor português. Queria ser o escritor através do qual escrevia Portugal. Nem menos!"

"A vítima do livro é o autor, que continua por ler, que continua afastado dos nossos dias, que continua a bater-nos à porta, com o mesmo desejo de entrar. Nós continuamos cegos e surdos. Pascoaes continua a ver e a ouvir de mais. Um dia Portugal e Pascoaes hão-de resolver-se. Não se pode falar em reconciliações, porque Pascoaes nunca desesperou, nunca se zangou com Portugal. Portugal é que nunca lhe ligou.
Um dia há-de regressar. E não será como estrangeiro, nem como louco. Há-de voltar como sempre quis, como se já cá estivesse estado. Como um velho poeta que volta à casa antiga e vê palavras suas, treslidas e transformadas, vivas, nas mãos e nas bocas das pessoas, das más e das boas, perdidas no tempo mas espalhadas por toda a parte.
E Pascoaes terá o seu sossego e nós sossegaremos com isso. Até morre também ele, e esquecer-se tudo isto, por outras razões e por causa de outros Portugueses, mas sempre com a mesma desculpa, e amor, e o nome de Portugal escrito em letras altas em nossas almas."