"Quando Pascoaes inventou Portugal não se deu conta do que tinha feito: pensou que se tinha limitado a descobri-lo. Quando imaginou os Portugueses, entregando-lhes as palavras e as visões que só a ele pertenciam,enganou-se. Os Portugueses de Pascoaes nem sequer existiam. Pascoaes nunca percebeu que era tudo invenção dele. Escreveu um livro,a Arte de Ser Português, recusando a responsabilidade da criação, na ânsia de ser apenas um espectador.
Pascoaes não queria ser mais um poeta. Queria servir, servir e pertencer. Não queria ficar de fora nem sozinho. Queria escrever, mas escrever como quem presta um serviço: um serviço de observar, de ouvir, de escrever. Não queria ser mais um escritor português. Queria ser o escritor através do qual escrevia Portugal. Nem menos!"
"A vítima do livro é o autor, que continua por ler, que continua afastado dos nossos dias, que continua a bater-nos à porta, com o mesmo desejo de entrar. Nós continuamos cegos e surdos. Pascoaes continua a ver e a ouvir de mais. Um dia Portugal e Pascoaes hão-de resolver-se. Não se pode falar em reconciliações, porque Pascoaes nunca desesperou, nunca se zangou com Portugal. Portugal é que nunca lhe ligou.
Um dia há-de regressar. E não será como estrangeiro, nem como louco. Há-de voltar como sempre quis, como se já cá estivesse estado. Como um velho poeta que volta à casa antiga e vê palavras suas, treslidas e transformadas, vivas, nas mãos e nas bocas das pessoas, das más e das boas, perdidas no tempo mas espalhadas por toda a parte.
E Pascoaes terá o seu sossego e nós sossegaremos com isso. Até morre também ele, e esquecer-se tudo isto, por outras razões e por causa de outros Portugueses, mas sempre com a mesma desculpa, e amor, e o nome de Portugal escrito em letras altas em nossas almas."