quarta-feira, 5 de maio de 2021

5 de maio - Dia Mundial da Língua Portuguesa

 A 5 de maio assinala-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa, reconhecimento que a UNESCO formalizou em 2020, colocando a nossa língua no mesmo patamar das línguas oficiais das Nações Unidas (árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo).  

A língua portuguesa é falada por mais de 260 milhões de pessoas, com elevado potencial de crescimento, sendo um importante activo que Portugal tem tratado com manifesto desleixo. Talvez um dia os nossos políticos percebam os erros que têm cometido em aventuras como acordos ortográficos e coisas similares.

Em julho de 2017, fiz uma intervenção em Santiago de Compostela, num seminário que tinha como tema "A língua como oportunidade", num painel "A oportunidade do espaço galaico-luso-afro-américo-asiático", de que deixo algumas passagens:

"Permitam-me que cite o meu conterrâneo Teixeira de Pascoaes na dedicatória do poema “Luz Final” (de 1925) a Afonso Castelao e a Álvaro Cebreiro e os cumprimente com “o mais antigo e fraternal abraço”.

Venho de Amarante, da Galiza do lado de lá do rio Minho, traçando caminhos de Santiago, de espiritualidade, de cultura, de língua, de irmandade, mas também de economia e de globalização.

 No seu livro "A Galiza, o galego e Portugal", Manuel Rodrigues Lapa afirma que "Portugal não pára nas margens do Minho: estende-se naturalmente, nos domínios da língua e da cultura, até às costas do Cantábrico. O mesmo se pode dizer da Galiza: que não acaba no Minho, mas se prolonga, suavemente, até às margens do Mondego".

Teixeira de Pascoaes escrevia nos anos 20 nas revistas “Nós” e a “A Nossa Terra” e na intensa correspondência trocada com os intelectuais galegos e realçava a ligação de Portugal à Galiza escrevendo na dedicatória do seu livro “Marânus”:

“Galiza, terra irmã de Portugal

Que o mesmo Oceano abraça longamente;

Berço de brancas névoas refulgindo

O espírito do sol amanhecente;

Altar de Rosalía e de Pondal

Iluminado a lágrimas acesas,

Entre pinhais, aos zéfiros, carpindo

Mágoas da terra e místicas tristezas;

A ti dedico o livro que uma vez,

Embriagado de sombra e solidão,

Compus sobre os fraguedos do Marão

Este livro saudoso e montanhês.”

O mesmo Pascoaes que nasceu 2 anos depois da sua morte, há-de escrever sobre a vossa, e permitam-me também nossa, Rosalía de Castro:

“Divina Rosalía. Ó Santa protetora

Da terra da Galiza, a nossa terra Mãe!”

Pascoaes, Teixeira, como o tratavam por cá, tem intensa relação com os intelectuais galegos da época, Noriega Varela, Vicente Risco, Alvaro Cebreiro, Vicente Viqueira, Afonso Castelao, Francisco Luís Bernárdez, tendo sido visitado em Amarante, que também considerava Galiza, por muitos deles.

Convicto Iberista, Teixeiras de Pascoaes já antes tinha estado em 1905 em Salamanca e conhecido Miguel Unamuno com quem manteve ligações tendo D. Miguel visitado Amarante, e em 1918 deslocou-se a Barcelona a convite de Eugénio d’Ors onde proferiu uma conferência sobre os “Poetas Lusíadas”.

Mas não venho só com Teixeira de Pascoaes.

Para falar de língua e de “nós” é incontornável servir-me de Fernando Pessoa e do seu heterónimo Bernardo Soares no “Livro do desassossego” (1931), 

Minha pátria é a língua portuguesa”

E quase poderia ficar por aqui.

Mas como se diz na minha terra, “atrás de uma serra está sempre outra”, trago comigo outro grande nome da nossa cultura, Virgílio Ferreira, que em 1991, no discurso de entrega do Prémio Europália disse, com solenidade:

“Da minha língua vê-se o mar”

O orgulho não é um exclusivo dos grandes países, porque ele não tem que ver com a extensão de um território, mas com a extensão da alma que o preencheu. A alma do meu país teve o tamanho do mundo. Estamos celebrando a gesta dos portugueses nos seus descobrimentos. Será decerto a altura de a Europa celebrar também o que deles projectou na extraordinária revolução da sua cultura. Uma língua é o lugar donde se vê o mundo e de ser nela pensamento e sensibilidade. Da minha língua vê-se o mar. Na minha língua ouve-se o seu rumor como na de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi em nós a da nossa inquietação. Assim o apelo que vinha dele foi o apelo que ia de nós. E foi nessa consubstanciação que um novo espírito se formou, como foi outro o espírito da Europa inteira na reconversão total das suas evidências.

Poderia socorrer-me de muitos outros cultores da nossa língua, de todas as geografias, do Brasil, de África, mas fico-me pelo vosso Alfonso Castelao:

“A nossa língua floresce em Portugal”."

...

"Feitos os cumprimentos e estabelecido o ponto de partida, importa falar das oportunidades da língua portuguesa como plataforma global de ser e de estar, placa giratória no processo irreversível de globalização, numa lógica de integração, respeito pelas diversidades, valores éticos, culturais e por aquilo que mais nos diferencia que é o humanismo do Padre António Vieira.

Uma plataforma global que enfrente sem tibiezas e com determinação o desafio da economia como factor de desenvolvimento dos povos, justo e decente, no respeito pelos designados objectivos de desenvolvimento do milénio (ODM’s).

De que ponto partimos?

- Somos hoje a 4ª língua mais falada do mundo com 270 milhões de falantes;

- Em 2050 seremos 387 milhões;

- Em 2100 seremos 487 milhões;

- A CPLP é composta por 9 Estados membros e representa 7,2% da terra do planeta, repartida por 4 continentes.

- Vivemos em conjunto imensos desafios:

i) A construção da União Europeia;

ii) A construção do Mercosul;

iii) África;

iv) A formatação das relações com a China;

v) A formatação das relações com a Índia;

vi) As alterações climáticas.

Cada um destes desafios, só por si, seria demasiado grande para nos alcandorarmos a enfrentá-lo.

Será assim?

Se pensarmos naqueles que há 500 anos, sem os meios próximos dos que dispomos hoje, se abalançaram na descoberta de novos mundos iniciando o fenómeno de globalização, quem melhor que nós para revisitar estes desafios, com certeza, cheios de Adamastores mas também com Ilhas dos Amores?

Se me pedissem um lema para esta nova globalização a partir da língua portuguesa, diria que o objectivo seria o de construir uma parceria interpares em que todos contribuímos para o esforço colectivo de desenvolvimento humano partindo de uma parceria global para o desenvolvimento assente no humanismo e no respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Sim, é possível haver desenvolvimento económico equilibrado à escala global com respeito pela pessoa humana, proporcionando educação, saúde e oportunidades de felicidade  e sem a exploração desmedida e irresponsável dos recursos do planeta.

O que devemos esperar do futuro?

Respondo: vontade e determinação em o construir, em trabalhar num futuro justo e decente para todos, irreverente, em que ninguém é deixado para trás e em que cada um assume a sua quota parte de responsabilidade individual e colectiva.

Um futuro que tenha como motores de desenvolvimento a Educação, a Economia e a Sustentabilidade Ambiental, na linha dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

E como é que isto se faz, dirão algumas vozes? Já não se tentou em diferentes momentos e de diferentes maneiras? E que resultados temos para apresentar? Estamos hoje melhor que ontem? Resolvemos o problema da fome e da exploração? Resolvemos os desafios da educação, da saúde e da demografia? Não temos hoje fenómenos de migrações? O mundo não está muito mais inseguro e perigoso? Não somos confrontados diariamente com fenómenos organizados de terrorismo equiparados a estados? Não há muito mais violação dos direitos humanos e intolerância? Não há muito mais concentração da riqueza em cada vez menos pessoas? Não estamos numa escalada de miséria humana? Não estaremos a caminho da destruição?

Tudo questões justas, pertinentes e que, mais cedo que tarde, deixarão de estar no écran da televisão e nos irão tocar na roupa ou na carne. A nós e aos nossos porque hoje tudo acontece à velocidade da luz.

É por isso que o tempo urge, estando confiante que temos o tempo necessário e adequado para fazer o que é preciso ser feito, de forma organizada e estruturada, utilizando os recursos financeiros e humanos disponíveis, de forma adequada.

 É verdade que já se tentou e que ficamos longe dos objectivos. Mas esses revezes tiveram a vantagem de nos mostrar que estamos mais próximos porque sabemos hoje melhor o que nos falta fazer mas, sobretudo, como não devemos fazer.

Sabemos que despejar dinheiro em cima dos problemas nada resolve, que não apostar em educação é o erro originário e que toda a cooperação que não seja interpares e respeitadora da pessoa humana buscando apenas resultados económicos imediatos não é uma cooperação humanista.

Aqui chegados, importa perceber qual o papel que os Estados e as suas instituições pública e privadas pretendem jogar e aquele que lhe é, ou deveria ser, reservado.

Será que os Estados, a braços com a crise das dívidas públicas, as opiniões públicas internas e as provas de vida eleitorais, estão disponíveis para pensar à escala global?

Não há dúvida que sim porque deste reequilíbrio dependerá o seu futuro.

Como deste futuro dependerá o futuro da União Europeia e, sob pressão, todos os poderes evitarão o caos e a destruição logo que o tenham como uma possibilidade expectável.

É por isso que as instituições públicas dos Estados e as instituições privadas continuaram a jogar um papel decisivo na preparação dos processo decisórios com vista a uma nova abordagem destas velhas questões de muitas décadas.

Mas que ninguém se iluda nem, por via disso, se desresponsabilize porque esta não é tarefa de nenhum Estado nem de nenhuma instituição de Estados, por mais forte e poderosa que seja, nem de nenhum Organização Não Governamental (ONG), nem de nenhuma instituição universal.

Ao contrário, será uma tarefa de cada cidadão que, juntando, juntando sempre, será capaz de alertar, sensibilizar, reflectir, planear, aprovar e executar, fazendo mover as instituições privadas que serão capazes de alertar, sensibilizar, reflectir, planear, aprovar e executar, fazendo mover os Estados e as instituições de Estados para a inevitabilidade de vivermos um Mundo e num Mundo melhor.

Se tivermos tempo, poderemos discutir as teias da burocracia da União Europeia, a dimensão dos lobbies, a permissividade de quem tem poder face a quem não existe por não estar constituído como lobbie e espaço em Bruxelas.

Do que vem de ser dito, pode depreender-se que esta é uma tarefa para quem acredita que sozinho pode mudar o mundo, logo, condenada ao insucesso, pessoal e de milhões de cidadãos que merecem e exigem o nosso empenhamento sério e responsável.

 Apesar de tudo, sei que vale a pena lutar por princípios individuais, pela sobrevivência, da espécie e do planeta, pelo que se nos exige fazer mais e melhor por todos.

Aqui chegados, e sem prejuízo do aprofundamento de algumas destas áreas de pensamento, impõe-se perspectivar o papel da língua como factor acelerador e cimento agregador na construção do futuro de uma parte da população do planeta, e no papel a desempenhar pelos diversos níveis de instituições."

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"UNIDOS PELA LÍNGUA PORTUGUESA NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO MELHOR"