A 5 de maio assinala-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa, reconhecimento que a UNESCO formalizou em 2020, colocando a nossa língua no mesmo patamar das línguas oficiais das Nações Unidas (árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo).
A língua portuguesa é falada por mais de 260 milhões de pessoas, com elevado potencial de crescimento, sendo um importante activo que Portugal tem tratado com manifesto desleixo. Talvez um dia os nossos políticos percebam os erros que têm cometido em aventuras como acordos ortográficos e coisas similares.
Em julho de 2017, fiz uma intervenção em Santiago de Compostela, num seminário que tinha como tema "A língua como oportunidade", num painel "A oportunidade do espaço galaico-luso-afro-américo-asiático", de que deixo algumas passagens:
"Permitam-me que cite o meu conterrâneo Teixeira de Pascoaes na dedicatória do poema “Luz Final” (de 1925) a Afonso Castelao e a Álvaro Cebreiro e os cumprimente com “o mais antigo e fraternal abraço”.
Venho de Amarante, da
Galiza do lado de lá do rio Minho, traçando caminhos de Santiago, de
espiritualidade, de cultura, de língua, de irmandade, mas também de economia e
de globalização.
No seu livro
"A Galiza, o galego e Portugal", Manuel Rodrigues Lapa afirma que "Portugal não pára nas margens do
Minho: estende-se naturalmente, nos domínios da língua e da cultura, até às
costas do Cantábrico. O mesmo se pode dizer da Galiza: que não acaba no Minho,
mas se prolonga, suavemente, até às margens do Mondego".
Teixeira
de Pascoaes escrevia nos anos 20 nas revistas “Nós” e a “A Nossa Terra” e na
intensa correspondência trocada com os intelectuais galegos e realçava a
ligação de Portugal à Galiza escrevendo na dedicatória do seu livro “Marânus”:
“Galiza, terra
irmã de Portugal
Que o mesmo Oceano
abraça longamente;
Berço de brancas
névoas refulgindo
O espírito do sol
amanhecente;
Altar de Rosalía e
de Pondal
Iluminado a
lágrimas acesas,
Entre pinhais, aos
zéfiros, carpindo
Mágoas da terra e
místicas tristezas;
A ti dedico o
livro que uma vez,
Embriagado de
sombra e solidão,
Compus sobre os
fraguedos do Marão
Este livro saudoso
e montanhês.”
O mesmo Pascoaes que
nasceu 2 anos depois da sua morte, há-de escrever sobre a vossa, e permitam-me
também nossa, Rosalía de Castro:
“Divina Rosalía. Ó Santa protetora
Da terra da Galiza, a nossa terra
Mãe!”
Pascoaes, Teixeira,
como o tratavam por cá, tem intensa relação com os intelectuais galegos da
época, Noriega Varela, Vicente Risco, Alvaro Cebreiro, Vicente Viqueira, Afonso
Castelao, Francisco Luís Bernárdez, tendo sido visitado em Amarante, que também
considerava Galiza, por muitos deles.
Convicto Iberista, Teixeiras de Pascoaes já
antes tinha estado em 1905 em Salamanca e conhecido Miguel Unamuno com quem
manteve ligações tendo D. Miguel visitado Amarante, e em 1918 deslocou-se a
Barcelona a convite de Eugénio d’Ors onde proferiu uma conferência sobre os
“Poetas Lusíadas”.
Mas não venho só com
Teixeira de Pascoaes.
Para falar de língua e
de “nós” é incontornável servir-me de Fernando
Pessoa e do seu heterónimo Bernardo Soares no “Livro do desassossego”
(1931),
“Minha pátria é a língua portuguesa”
E quase poderia ficar por aqui.
Mas como se diz na minha terra, “atrás de uma serra está sempre outra”,
trago comigo outro grande nome da nossa cultura, Virgílio Ferreira, que em 1991, no discurso de entrega do Prémio
Europália disse, com solenidade:
“Da minha língua vê-se o mar”
O orgulho não é um
exclusivo dos grandes países, porque ele não tem que ver com a extensão de um
território, mas com a extensão da alma que o preencheu. A alma do meu país teve
o tamanho do mundo. Estamos celebrando a gesta dos portugueses nos seus descobrimentos.
Será decerto a altura de a Europa celebrar também o que deles projectou na
extraordinária revolução da sua cultura. Uma língua é o lugar donde se vê o
mundo e de ser nela pensamento e sensibilidade. Da minha língua vê-se o mar. Na
minha língua ouve-se o seu rumor como na de outros se ouvirá o da floresta ou o
silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi em nós a da nossa inquietação.
Assim o apelo que vinha dele foi o apelo que ia de nós. E foi nessa
consubstanciação que um novo espírito se formou, como foi outro o espírito da
Europa inteira na reconversão total das suas evidências.
Poderia socorrer-me de muitos outros cultores da nossa
língua, de todas as geografias, do Brasil, de África, mas fico-me pelo vosso
Alfonso Castelao:
“A
nossa língua floresce em Portugal”."
...
"Feitos os cumprimentos e estabelecido o ponto de partida, importa falar das oportunidades da língua portuguesa como plataforma global de ser e de estar, placa giratória no processo irreversível de globalização, numa lógica de integração, respeito pelas diversidades, valores éticos, culturais e por aquilo que mais nos diferencia que é o humanismo do Padre António Vieira.
Uma plataforma global que
enfrente sem tibiezas e com determinação o desafio da economia como factor de
desenvolvimento dos povos, justo e decente, no respeito pelos designados objectivos de desenvolvimento do milénio
(ODM’s).
De que ponto partimos?
-
Somos hoje a 4ª língua mais falada do mundo com 270 milhões de falantes;
-
Em 2050 seremos 387 milhões;
-
Em 2100 seremos 487 milhões;
-
A CPLP é composta por 9 Estados membros e representa 7,2% da terra do planeta,
repartida por 4 continentes.
-
Vivemos em conjunto imensos desafios:
i)
A construção da União Europeia;
ii)
A construção do Mercosul;
iii)
África;
iv)
A formatação das relações com a China;
v)
A formatação das relações com a Índia;
vi)
As alterações climáticas.
Cada um destes desafios,
só por si, seria demasiado grande para nos alcandorarmos a enfrentá-lo.
Será assim?
Se pensarmos naqueles
que há 500 anos, sem os meios próximos dos que dispomos hoje, se abalançaram na
descoberta de novos mundos iniciando o fenómeno de globalização, quem melhor
que nós para revisitar estes desafios, com certeza, cheios de Adamastores mas
também com Ilhas dos Amores?
Se me pedissem um lema
para esta nova globalização a partir da língua portuguesa, diria que o
objectivo seria o de construir uma parceria
interpares em que todos contribuímos para o esforço colectivo de
desenvolvimento humano partindo de
uma parceria global para o
desenvolvimento assente no humanismo e no respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Sim, é possível haver
desenvolvimento económico equilibrado à escala global com respeito pela pessoa
humana, proporcionando educação, saúde e oportunidades de felicidade e sem a exploração desmedida e irresponsável
dos recursos do planeta.
O que devemos esperar
do futuro?
Respondo: vontade e
determinação em o construir, em trabalhar num futuro justo e decente para
todos, irreverente, em que ninguém é deixado para trás e em que cada um assume
a sua quota parte de responsabilidade individual e colectiva.
Um futuro que tenha
como motores de desenvolvimento a Educação,
a Economia e a Sustentabilidade Ambiental, na linha dos Objectivos de
Desenvolvimento do Milénio.
E como é que isto se
faz, dirão algumas vozes? Já não se tentou em diferentes momentos e de
diferentes maneiras? E que resultados temos para apresentar? Estamos hoje
melhor que ontem? Resolvemos o problema da fome e da exploração? Resolvemos os
desafios da educação, da saúde e da demografia? Não temos hoje fenómenos de
migrações? O mundo não está muito mais inseguro e perigoso? Não somos
confrontados diariamente com fenómenos organizados de terrorismo equiparados a
estados? Não há muito mais violação dos direitos humanos e intolerância? Não há
muito mais concentração da riqueza em cada vez menos pessoas? Não estamos numa
escalada de miséria humana? Não estaremos a caminho da destruição?
Tudo questões justas,
pertinentes e que, mais cedo que tarde, deixarão de estar no écran da televisão
e nos irão tocar na roupa ou na carne. A nós e aos nossos porque hoje tudo
acontece à velocidade da luz.
É por isso que o tempo
urge, estando confiante que temos o tempo necessário e adequado para fazer o
que é preciso ser feito, de forma organizada e estruturada, utilizando os
recursos financeiros e humanos disponíveis, de forma adequada.
É verdade que já se tentou e que ficamos longe
dos objectivos. Mas esses revezes tiveram a vantagem de nos mostrar que estamos
mais próximos porque sabemos hoje melhor o que nos falta fazer mas, sobretudo,
como não devemos fazer.
Sabemos que despejar
dinheiro em cima dos problemas nada resolve, que não apostar em educação é o
erro originário e que toda a cooperação que não seja interpares e respeitadora da pessoa humana buscando apenas
resultados económicos imediatos não é uma cooperação humanista.
Aqui chegados, importa
perceber qual o papel que os Estados e as
suas instituições pública e privadas pretendem jogar e aquele que lhe é, ou
deveria ser, reservado.
Será que os Estados, a
braços com a crise das dívidas públicas, as opiniões públicas internas e as
provas de vida eleitorais, estão disponíveis para pensar à escala global?
Não há dúvida que sim
porque deste reequilíbrio dependerá o seu futuro.
Como deste futuro
dependerá o futuro da União Europeia e, sob pressão, todos os poderes evitarão
o caos e a destruição logo que o tenham como uma possibilidade expectável.
É por isso que as
instituições públicas dos Estados e as instituições privadas continuaram a jogar
um papel decisivo na preparação dos processo decisórios com vista a uma nova
abordagem destas velhas questões de muitas décadas.
Mas que ninguém se iluda
nem, por via disso, se desresponsabilize porque esta não é tarefa de nenhum
Estado nem de nenhuma instituição de Estados, por mais forte e poderosa que
seja, nem de nenhum Organização Não Governamental (ONG), nem de nenhuma
instituição universal.
Ao contrário, será uma
tarefa de cada cidadão que, juntando, juntando sempre, será capaz de alertar,
sensibilizar, reflectir, planear, aprovar e executar, fazendo mover as
instituições privadas que serão capazes de alertar, sensibilizar, reflectir,
planear, aprovar e executar, fazendo mover os Estados e as instituições de
Estados para a inevitabilidade de vivermos um Mundo e num Mundo melhor.
Se tivermos tempo,
poderemos discutir as teias da burocracia da União Europeia, a dimensão dos
lobbies, a permissividade de quem tem poder face a quem não existe por não
estar constituído como lobbie e espaço em Bruxelas.
Do que vem de ser dito,
pode depreender-se que esta é uma tarefa para quem acredita que sozinho pode
mudar o mundo, logo, condenada ao insucesso, pessoal e de milhões de cidadãos
que merecem e exigem o nosso empenhamento sério e responsável.
Apesar de tudo, sei que vale a pena lutar por
princípios individuais, pela sobrevivência, da espécie e do planeta, pelo que
se nos exige fazer mais e melhor por todos.
Aqui chegados, e sem
prejuízo do aprofundamento de algumas destas áreas de pensamento, impõe-se
perspectivar o papel da língua como factor acelerador e cimento agregador na
construção do futuro de uma parte da população do planeta, e no papel a
desempenhar pelos diversos níveis de instituições."
...
"UNIDOS PELA LÍNGUA PORTUGUESA NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO MELHOR"