In "Público", 5 de Fevereiro de 2010
Os Reféns da Quinta da VigiaComentário por Manuel Carvalho
É difícil discutir assuntos sérios tipo propostas de alterações legislativas vindas da Madeira sem que a figura de Alberto João Jardim apareça a semear confusão.
Por instantes, porém, esqueçam-se as frases feitas sobre o senhor do arquipélago e avaliem-se as duas teses que levaram ontem os deputados a gastar mais tempo com as receitas da Madeira do que com o afundamento da Bolsa: a primeira afirma que as propostas devem ser chumbadas, porque Jardim merece uma lição; a segunda adianta que as alterações devem ser feitas, porque a Madeira é vítima de injustiça e da perseguição do Governo.
O que se deve medir em primeiro lugar é se a lei cumpre ou não os princípios da justiça e da coesão territorial. Em 2007, esses princípios entraram na lei para se calcular as transferências financeiras para as autonomias e, no final, os Açores ganharam e a Madeira perdeu. Por perseguição? Não, apenas porque a Madeira tinha um rendimento per capita de 128 por cento da média nacional, enquanto os açorianos viviam com 88 por cento. Mais: enquanto o rendimento nacional rondava os 76 por cento da média europeia, os madeirenses beneficiavam de um nível de 97 por cento - no país mais desigual da Europa, só Lisboa está acima.
Depois, enquanto os Açores têm uma dívida irrelevante, o buraco da Madeira faz lembrar o grego, equivalente a 127 por cento do PIB regional. E nem perdões de dívidas nem a complacência dos governos travaram a espiral de despesismo. O monstro precisa de mais recursos, mas os do continente, porque Jardim não está para poupar nem para aumentar o IVA regional para os valores pagos em Viana ou na Sertã.
Num país justo, seria uma injustiça que a parte pobre financiasse a parte rica. Era como se na União Europeia Portugal pagasse o desenvolvimento sueco.
Apesar das evidências, Jardim põe o país em sobressalto, porque quando a Quinta da Vigia grita, o PSD treme. Ou porque, depois da derrota no Orçamento, os demais partidos persistem em lembrar o Governo que têm poder de condicionar as suas opções.
Num momento em que o país se torna o epicentro das atenções dos mercados financeiros, a estabilidade que se ganhou no último mês está em vias de se esgotar à custa de uma birra que ninguém percebe. Nesta deriva, espera-se que o Presidente, que promulgou a lei de 2007, os faça regressar à razão. O que está em causa não é a aversão a Jardim.
No actual estado do país, mudar a lei é abdicar de princípios básicos de rigor fiscal e de equidade territorial. Mais importante que as finanças da Madeira é a agonia do interior. Mas aí não há um Jardim para causar alvoroço.